NOVA LEI LABORAL ENTROU EM VIGOR A 1 DE MAIO. O QUE MUDA?

As alterações à Lei do Trabalho, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, entraram em vigor a 1 de maio, no Dia Internacional do Trabalhador. Assim, o outsourcing será proibido após rescisão de contrato, despedir será mais caro, o valor do trabalho suplementar (que acresce ao salário) vai duplicar a partir das 100 horas anuais e o trabalho nas plataformas tem novas regras. Passa a existir também uma isenção fiscal dos gastos com teletrabalho e, em matéria familiar, a licença parental exclusiva do pai é alargada. Além disso, o trabalho doméstico não declarado passa a ser considerado crime.

A grande maioria das 70 alterações feitas ao Código do Trabalho entraram em vigor a 1 de maio, mas algumas só entrarão mais tarde como, por exemplo, a licença parental complementar, para assistência a filho ou adotado com idade não superior a seis anos. O Governo tem o prazo de 60 dias, ou seja, até dia 2 de junho, para regulamentar esta alteração. Também algumas normas sobre requisitos mínimos de funcionamento das empresas de trabalho temporário, bem como a regulamentação de arbitragem, ficam ainda em ‘lista de espera’.

Com a entrada em vigor da nova Lei cessam igualmente as contribuições das empresas para o Fundo de Compensação, tal como já tinha referido a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho. Em discussão ainda com os parceiros sociais está a forma como será aplicado os mais de 600 milhões do Fundo de Compensação do Trabalho — Governo propõe que seja usado pelas empresas para pagamento de indemnização, formação e com habitação dos trabalhadores — e que papel terão os trabalhadores na decisão de como esse dinheiro será aplicado.

AS MUDANÇAS QUE PASSAM A REGULAR O MUNDO DO TRABALHO

Compensação por despedimento coletivo aumenta

Em caso de despedimento coletivo, o empregador deve comunicar, por escrito, essa intenção a cada um dos trabalhadores que possam ser abrangidos. “Em caso de despedimento coletivo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 14 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade“, pode ler-se na Lei. Um aumento de dois dias face à anterior Lei.

“O empregador é responsável pelo pagamento da totalidade da compensação, sem prejuízo do direito do trabalho a acionar o fundo de garantia de compensação do trabalho, nos termos previstos em legislação prevista”, refere o mesmo diploma.

Aumento da compensação por caducidade do contrato a termo certo

Em caso de caducidade de contrato de trabalho a termo certo por verificação do seu termo, “o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 24 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, calculada nos termos do artigo 366.º, salvo se a caducidade decorrer de declaração do trabalhador nos termos do número anterior”, refere o diploma.

O trabalhador tem igualmente direito a compensação “correspondente a 24 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade”, em caso de caducidade do contrato de trabalho a termo incerto.

Contratos de trabalho temporário com limite de quatro renovações

O diploma reduz para quatro o número máximo de renovações dos contratos de trabalho temporário, fixado atualmente em seis. “O contrato de trabalho temporário a termo certo não está sujeito ao limite de duração do n.º 2 do artigo 148.º e, enquanto se mantiver o motivo justificativo, pode ser renovado até quatro vezes”, determina o Código.

“A duração de contratos de trabalho temporário sucessivos em diferentes utilizadores, celebrados com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, não pode ser superior a quatro anos”, diz ainda a nova Lei. “Converte-se em contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária o contrato de trabalho temporário que exceda o limite referido no número anterior.”

Empresas proibidas de recorrer a outsourcing durante um ano após o despedimento

Esta é, possivelmente, a norma que mais críticas tem gerado junto do patronato, e dúvidas tem levantado quanto à sua constitucionalidade. A nova Lei, no artigo 338ªA, determina que “não é permitido recorrer à aquisição de serviços externos a entidade terceira para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho.”

Um parecer da Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP) conhecido em abril aponta que esta norma é inconstitucional por, entre outros aspetos, entrar em conflito com diversos direitos fundamentais, entre os quais a liberdade de gestão das empresas privadas, a liberdade de escolha de profissão, a liberdade de iniciativa económica e o direito de propriedade privada.

Contratação coletiva trará mais benefícios para as empresas

“O Estado enquadra os incentivos à contratação coletiva no âmbito das suas políticas específicas, nomeadamente através de medidas que privilegiem as empresas outorgantes de convenção coletiva recentemente celebrada ou revista, no quadro do acesso a apoios ou financiamentos públicos, incluindo fundos europeus, dos procedimentos de contratação pública e de incentivos de natureza fiscal“, pode ler-se no diploma (Artigo 485.º). Abrangidos por estes benefícios estão as convenções revistas ou celebradas “no período até três anos”.

Na última reunião da Concertação Social, Ana Mendes Godinho referiu que, em fevereiro, o número de trabalhadores abrangidos por acordos de contratação coletiva tinha atingido um número recorde, de 192 mil, o maior desde 2008, um crescimento de 122%.

Valor das horas extra aumenta a partir das 100 horas anuais

O trabalho suplementar superior a 100 horas anuais passa a ser pago com os seguintes acréscimos: “50% pela primeira hora ou fração desta e 75% por hora ou fração subsequente, em dia útil” e “100% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado”, refere a Lei. Até aqui, o valor das horas extra estava fixado em 25%, 37,5% e 50%, respetivamente.

Renúncia a créditos pelo trabalhador

Em caso de fim de contrato ou despedimento, os trabalhadores não vão poder abdicar dos créditos devidos pelo empregador, como subsídios de férias e/ou natal e de formação e horas suplementares. O crédito de trabalhador “não é suscetível de extinção por meio de remissão abdicativa, salvo através de transação judicial”. Ou seja, não pode ser apenas um acordo entre trabalhador e empresa, sem mediação do tribunal.

Esta é outra das normas que o parecer da CNPC sobre o novo Código aponta inconstitucionalidade, por “violação do direito de participação na elaboração da legislação do trabalho” e, por outro lado, por corresponder a uma “restrição desproporcional do princípio da autonomia privada”. Mais, dizem, esta norma é “perniciosa para o trabalhador, porquanto inviabiliza que o empregador se disponha a negociar um valor para a cessação do contrato de trabalho, superior ao que resulta do regime legal”.

Novo contrato de trabalho com estudantes em período de férias

O novo diploma prevê um novo tipo de contrato de trabalho destinado a estudantes em período de férias escolares ou em interrupção letiva (Artigo 89.º-A) , o mesmo não depende da condição de trabalhador-estudante” e “não está sujeito a forma escrita”.

Contudo, “o empregador deve comunicar a celebração do contrato ao serviço competente da Segurança Social, mediante formulário eletrónico que deve satisfazer todas as exigências de comunicação previstas noutras disposições legais, assegurando aquele serviço a interconexão de dados com outros serviços que se mostre necessária”.

Estágios com maior remuneração

Durante o decurso do período de estágio, a entidade promotora paga ao “estagiário um subsídio mensal de estágio, cujo montante não pode ser inferior ao previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 275.º do Código do Trabalho”. Ou seja, os estágios profissionais passam a ser remunerados no mínimo por 80% do Salário Mínimo Nacional (este ano fixado nos 760 euros), e as bolsas de estágio IEFP para licenciados são aumentadas para 960 euros.

“A entidade promotora do estágio deve ainda contratar um seguro de acidentes de trabalho”, refere ainda a Lei.

Plataformas digitais

O Artigo 12.º-A foi um dos mais controversos de toda a negociação e mexe com as relações laborais entre plataformas digitais, como a Uber ou a Glovo, e os estafetas, com as plataformas a considerar que a lei iria rapidamente ser obsoleta, na medida em que é esperada a aplicação nos Estados-membros da diretiva comunitária que vai regular as plataformas digitais.

diploma define “algumas” das condições que podem levar a que um tribunal determine quem deve ser considerado o patrão de um motorista ou estafeta. Por exemplo, nos casos em que é a própria plataforma que fixa a retribuição pelo trabalho efetuado ou define limites máximos e mínimos à mesma; quando “exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade”; tem “poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta” ou “os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por estes explorados através de contrato de locação”.

Essa presunção de ligação laboral pode ser ilidida “se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata” ou “invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.”

As plataformas passam ainda a ter o “dever de informação e transparência sobre o uso de algoritmos e mecanismos de Inteligência Artificial na seleção e dispensa dos trabalhadores”, destaca o Ministério do Trabalho.

Teletrabalho: alargamento de abrangência e despesas

direito ao teletrabalho sem necessidade de acordo é alargado. “O trabalhador com filho com idade até três anos ou, independentemente da idade, com deficiência, doença crónica ou doença oncológica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação, tem direito a exercer a atividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a atividade desempenhada e o empregador disponha de recursos e meios para o efeito”, determina o diploma no Artigo 166.º-A.

“O contrato individual de trabalho e o contrato coletivo de trabalho devem fixar na celebração do acordo para prestação de teletrabalho o valor da compensação devida ao trabalhador pelas despesas adicionais“, refere ainda a Lei.

Na ausência de acordo entre as partes sobre um valor fixo, “consideram-se despesas adicionais as correspondentes à aquisição de bens e ou serviços de que o trabalhador não dispunha antes da celebração do acordo a que se refere o artigo 166.º, assim como as determinadas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador no último mês de trabalho em regime presencial”.

Essa compensação é, para efeitos fiscais, “custo para o empregador e não constitui rendimento do trabalhador até ao limite do valor definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas dos assuntos fiscais e segurança social.”

Aumento da licença parental do pai

A licença parental obrigatória do pai passa dos atuais 20 dias úteis para 28 dias seguidos. “É obrigatório o gozo pelo pai de uma licença parental de 28 dias, seguidos ou em períodos interpolados de no mínimo sete dias, nos 42 dias seguintes ao nascimento da criança, sete dos quais gozados de modo consecutivo imediatamente a seguir a este”.

O pai tem ainda direito “a sete dias de licença, seguidos ou interpolados, desde que gozados em simultâneo com o gozo da licença parental inicial por parte da mãe.” Em caso de internamento hospitalar da criança durante o período após o parto, a licença “suspende-se, a pedido do pai, pelo tempo de duração do internamento.”

Licença por luto gestacional

São atribuídos três dias consecutivos de luto pela perda de um filho ainda em fase de gestação (Artigo 38.º-A). Ambos os pais passam a ter direito a essa licença por luto gestacional, não existindo perda de qualquer direito ou corte salarial. Os pais têm apenas de apresentar ao empregador uma prova da morte do filho durante a gestação (através de uma declaração do hospital ou centro de saúde, ou ainda atestado médico).

Licença por falecimento alargada

Com a nova legislação define-se um alargamento do dia de faltas pelo falecimento do cônjuge, filho e enteado de cinco para 20 dias consecutivos. No caso do falecimento de outros parentes ou afins no 1.º grau na linha reta, licença aumenta para até cinco dias consecutivos.

Novas regras para serviço doméstico

Quem não declarar um trabalhador de serviço doméstico à Segurança Social no prazo de seis meses passa, agora, a arriscar pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. Tecnicamente, quem recorresse a este tipo de serviços já estava obrigado a realizar contrato de trabalho e correspondente pagamento das contribuições sociais. Com a criminalização o que muda é o peso da consequência. O facto de se tratar de trabalho a tempo parcial não o isenta da obrigatoriedade de declarar o trabalhador à Segurança Social e assegurar o pagamento das comparticipações correspondentes.

SNS 24 passa baixas até três dias

As baixas por doença podem agora ser passadas pelo serviço digital do Serviço Nacional de Saúde (o SNS24), “mediante autodeclaração de doença, sob compromisso de honra, que apenas pode ser emitida quando a situação de doença do trabalhador não exceder os três dias consecutivos, até ao limite de duas vezes por ano.”

Quem não declarar um trabalhador de serviço doméstico à Segurança Social no prazo de seis meses passa, agora, a arriscar pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. Tecnicamente, quem recorresse a este tipo de serviços já estava obrigado a realizar contrato de trabalho e correspondente pagamento das contribuições sociais. Com a criminalização o que muda é o peso da consequência. O facto de se tratar de trabalho a tempo parcial não o isenta da obrigatoriedade de declarar o trabalhador à Segurança Social e assegurar o pagamento das comparticipações correspondentes.

EMPRESAS JÁ NÃO PAGAM FUNDO DE COMPENSAÇÃO DO TRABALHO RELATIVO A ABRIL

Com a entrada em vigor da nova legislação laboral, as empresas não terão que pagar o Fundo de Compensação do Trabalho relativo a abril. Ana Mendes Godinho abordou o tema no centro de congressos Europarque, em Santa Maria da Feira, à margem da sessão local promovida pela Ordem dos Contabilistas Certificados.

Uma boa notícia para as empresas é que já em maio não vão ter que fazer o pagamento do Fundo de Compensação do Trabalho, que é de 1% sobre a base salarial“, declarou a governante em declarações à Lusa, sobre o mecanismo de capitalização individual que, tutelado pelo Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, agrega verbas destinadas a pagar até 50% da compensação dos trabalhadores em caso de cessação dos seus contratos laborais.

“Foi uma decisão que tomamos de, já em maio, não ser sequer cobrado o valor correspondente à contribuição de abril, o que, aplicado à base salarial de todos os trabalhadores, representa um valor muito significativo”, realçou.

ALTERAÇÕES EM “LISTA DE ESPERA”

Apesar da grande maioria das alterações à Lei Laboral já ter entrado em vigor, existem algumas exceções, nomeadamente no que respeita ao regime jurídico de proteção social na parentalidade, referente aos períodos da licença parental complementar.

Períodos de licença parental complementar

“Os períodos de licença parental complementar não devem ser confundidos com a licença parental exclusiva do pai. Esta última passa a ser de 28 dias, seguidos ou em períodos interpolados de no mínimo sete dias, nos 42 dias seguintes ao nascimento da criança, sete dos quais gozados de modo consecutivo imediatamente a seguir a este”, começa por distinguir Pedro Antunes, sócio de laboral da CCA Law Firm.

“A licença parental complementar prevista no art. 51.º do Código do Trabalho é aplicável para assistência a filho ou adotado com idade não superior a seis anos. Com efeito, esta também sofreu uma alteração, tendo o Governo prazo de 60 dias, ou seja, até dia 2 de junho para regulamentar esta alteração“, esclarece o especialista.

Até lá aplica-se o disposto no DL 91/2009, de 9 de abril, referente ao regime jurídico de proteção social da parentalidade.

Normas sobre requisitos mínimos de funcionamento das empresas de trabalho temporário

Algumas normas referentes aos requisitos mínimos de funcionamento das empresas de trabalho temporário mantêm-se inalteradas, até à entrada em vigor de Decreto Regulamentar. Isto porque as empresas de trabalho temporário têm de possuir uma licença, que apenas será concedida mediante a verificação de determinados requisitos cumulativos.

Ora, com as alterações promovidas pela Agenda do Trabalho Digno, “um dos requisitos alterados está relacionado com o número de trabalhadores contratados pela empresa, cuja percentagem será determinada por via de Decreto Regulamentar“, refere Maria Luís Guedes de Carvalho, associada sénior de laboral.

“Enquanto o mesmo entrar em vigor, mantém-se o número atualmente previsto no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 260/2009, de 25 de setembro, que refere um número de trabalhadores a tempo completo que corresponda, no mínimo, a 1 % do número médio de trabalhadores temporários contratados no ano anterior ou, quando este número for superior a 5.000, pelo menos 50 trabalhadores a tempo completo”, explica.

Regulamentação de arbitragem

No prazo de 60 dias, o Governo procederá ainda às adaptações necessárias à regulamentação de arbitragem e referente à negociação das Convenções Coletivas de Trabalho.

“A nova redação do artigo 513.º do Código do Trabalho determina que, além do regime de arbitragem para suspensão do período de sobrevivência das convenções coletivas, e da arbitragem obrigatória e necessária, passa a haver também arbitragem para apreciação dos fundamentos da denúncia de convenção coletiva, que são referentes a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção”, esclarece a especialista. Para esse efeito, o Governo terá de alterar a regulamentação de arbitragem, que até então não abrangia os fundamentos da denúncia, tendo 60 dias para o fazer.

FONTE: ECO

NOVA LEI LABORAL ENTROU EM VIGOR A 1 DE MAIO. O QUE MUDA?